É melhor estar morta do que ser escrava. Uma frase de grande significado para todas nós mulheres. A frase foi dita por uma das vítimas do médium João de Deus no documentário “Em Nome de Deus”, sobre a vida do espírita condenado por abusar sexualmente de centenas de mulheres. Esse caso expõe não só a importância de cada denúncia de assédio, mas também o quanto as mulheres estão expostas a situações que as deixam sofridas e destinadas a viver na vergonha e no medo.
De certo, o temor e a vergonha e, muitas vezes, o desconhecimento, fazem com que as vítimas respondam às agressões com o silêncio, o que contribui para aumentar a impunidade. A história narrada no documentário traz um recado para toda a sociedade, e em especial a nós mulheres: uma voz, uma única voz é suficiente para que o silêncio comece a ser rompido e outras mulheres sejam encorajas a denunciar também. Começa então a se formar a teia de apoiamento tão necessária para que outras vozes, afetadas pela mesma dor, consigam se apoiar naquela mulher, e romper a escuridão que a dor nos coloca.
O universo machista e dominador tem nos condenados a viver na sombra, restritas ao universo do medo e da culpa, já que, na grande maioria das vezes, somos apontadas como causadoras do mal que nos acontece. Deixamos de ser vítimas e, tendo que lidar com nossas próprias dores, para garantir que a nossa tristeza fique guardada à gente, passamos a sentir culpa pelo ocorrido.
Daí vemos mais uma importância de se repercutir cada história, de se jogar luz nos espaços sombrios em que nos colocam. Daí a teia vai se estruturando cada vez mais forte e o apoiamento e a sustentação vão se consolidando para conseguirmos sair deste universo cruel que nos condena a viver no obscurantismo de culpa e que nos é ensinado, mesmo veladamente, desde muito cedo.
Romper o silêncio dos casos de abuso sexual é sair do nosso lugar de dor e medo, (e que é bem mais comum do que imaginamos), e verbalizar, para que o estrondo tire da sombra tantas outras mulheres que se sentem seguras com a nossa voz. Quando eu falo, o faço a partir do meu lugar, da minha dor, mas toma a direção de fazer chegar até você, para que nos sintamos acolhidas e fortalecidas para um enfrentamento coletivo e que precisa ser feito.
A nossa atitude de expor a ferida traz luz para tantas iguais que estão condenadas a viver na treva do preconceito. Quando uma mulher fala ela inquieta e encoraja a outra, e as regras da conveniência de uma falsa calmaria, começam a ser rompidas, e a gente se dá conta de que não estamos sozinhas.
Falar se faz necessário e urgente e desejo mesmo é que minha voz encoraje a cada uma de nós a denunciar, a gritar e a ousar ir além do lugar que nos colocaram. E que assim, juntas e juntos, sejamos capazes de construir uma sociedade de iguais.
Isabella de Roldão é advogada, estudante de nutrição, ex-vereadora do Recife e filiada ao Partido Democrático Trabalhista (PDT)
Créditos foto: ‘Em Nome de Deus’ reúne vítimas de João de Deus em roda de conversa inédita’ — Foto: Divulgação